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Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro nem nas ideias,

nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental.


Tempo morto e outros tempos

sábado, 1 de maio de 2010

A contadora de histórias

Hoje assisti ao filme: O contador de histórias (Warner Bros, 2009)e a história é verdadeira, real, o que me trouxe um pouco de esperança. Para quem ainda não sabe eu sou educadora, trabalho como coordenadora pedagógica em uma escola no extremo sul da cidade de São Paulo, em um bairro periférico, portanto, e localizada no meio de uma favela. Trabalho, então, diretamente com meninos carentes. Carentes? Carentes não, extremamente carentes. Carentes de quê? Carentes de família, carentes de amor, carentes de carinho. Alguns ali já se perderam no meio do mundo hostil no qual eles vivem. No mundo de drogas, crime, roubo, assalto, pedofilia, maus tratos com crianças e adolescentes, no mundo do abuso sexual. Muitos deles por conta dessa carência, não escolheram o caminho ruim, eles foram impulsionados a ir para esse caminho ruim, muitas vezes as pessoas que os devia encaminhar ao caminho bom, é que os leva para o caminho ruim. Muitos deles são garotos sem alguma perspectiva de um futuro decente pelo caminho da honestidade, do trabalho árduo e dos benefícios que eu posso alcançar com o meu trabalho justo e minha atuação na sociedade como um ser humano.
No começo desse ano, alguns professores pediram que eu tivesse uma reunião com alguns alunos que, segundo eles, eram muito indisciplinados e que eles não conseguiam levar a cabo suas aulas por conta da falta de comportamento desses alunos. Eis que organizamos a devida reunião. Mas com alguns alunos eu conversei a sós, um deles em específico me chamou a atenção. É um garoto muito educado, extremamente educado eu diria, em comparação aos outros meninos daquela escola. Conversei com ele sobre o que ele tinha em mente ser quando se formasse, futuramente, na sua vida adulta. Ele simplesmente me respondeu: Não sei. Eu disse que objetivos ele tinha. Mais uma vez ele me respondeu negativamente, que não tinha objetivos na vida. Eu disse: Então por que você está estudando? Ele simplesmente deu de ombros e não falou mais nada. A postura de garotos como esse com o qual tive essa conversa é muito peculiar: olham para baixo, não te encaram, mãos para trás, em sinal de respeito. Por quê? Pois muito já tiveram passagem por alguma instituição de segurança, como a Fundação CASA, e lá é assim que eles têm que mostrar que respeitam as autoridades. Eu pedia insistentemente para que o garoto olhasse nos meus olhos enquanto falava, e assim ele o fez. Não sei se eu consegui sensibilizá-lo para algo. Mas eu sempre perguntava aos professores sobre ele. E eles me respondiam que ele estava um pouco mais calmo e melhor.
Diante dessa minha preocupação com o futuro dos adolescentes que estudam na escola onde sou coordenadora, elaborei um Projeto de Orientação Profissional. De 140 alunos apenas 20 se interessaram, e o que me deixou mais feliz: o garoto com quem conversei, se interessou e veio participar do projeto. A primeira atividade deles foi preencher uma ficha, pela qual eu iria conhecê-los mais um pouco, percebi que ele tem alguma dificuldade de escrita, mas que ele disse que está cursando informática e inglês e que parte do tempo livre dele, ele estuda, que gosta da temática da Astronomia e das Ciências da Natureza.
E o que isso tem a ver com o filme? Como o garoto do filme, que era um menino de rua, pois sua mãe o tinha abandonado na antiga FEBEM e foi recuperado por uma pedagoga, que acreditou nele, e investiu em sua formação. Eu acredito que o garoto da minha escola pode ser um futuro Roberto Carlos Ramos, o garoto retratado no filme, que ser formou em Pedagogia, e hoje é considerado um dos 10 melhores contadores de história do mundo. Eu desejo que o garoto da minha escola seja um Administrador, como ele disse que deseja ser, e eu vou me empenhar para que ele seja. Senão, se eu não fizer isso, minhas convicções e o juramento que fiz na Universidade não valerão de nada, se eu simplesmente fechar meus olhos e achar que tudo está correto. Não vou salvar o mundo, mas se eu salvar um aluno, eu já ganhei algo, meu trabalho já valeu a pena.

6 comentários:

  1. Mais uma vez, minha mana-amora retrata a nossa dura realidade. Realidade que ela enfrenta todos os dias, ao ir trabalhar na favela, ao ver meninos que poderiam ter outras possibilidades e visões de vida, mas que, com a falta total de estrutura familiar, econômica e social, já enveredam pela senda do crime, da prostituição e das drogas antes mesmo de saberem quem são.
    Infelizmente os juramentos são esquecidos logo após o início do baile de formatura, seja na Pedagogia, na Medicina, na Odontologia (a minha área de atuação), etc. O próprio umbigo é muito mais chamativo do que ver e comprovar o que estes meninos passam ao longo dos dias. Preocupar-se com o bem estar do próximo está fora de moda, hoje em dia. Aliás, é fashion participar de ONGs, mas botar a mão na massa já são outros quinhentos.
    Vou contar um causo só pra exemplificar: todos os meses, eu faço doações à Casa de Apoio do grupo Irmã Schelida do hospital Manoel de Abreu, quando vou para a minha cidade-natal, Bauru. Este grupo tem casas de apoio em vários locais de Bauru, como esta do hospital. Em agosto do ano passado, fui até o hospital pra levar as doações e vi, com curiosidade, uma mãe com 3 filhos se cadastrando para receber ajuda da casa de apoio.
    Essa mãe, sozinha, tinha vindo de carona da cidade de Salinas, em MG, para Bauru para tratar a leucemia dos filhos gêmeos de 6 anos. Como não tinha com quem deixar o mais velho, de 9 anos, ela o trouxe junto. A mãe havia procurado o serviço social da prefeitura, que lhe negou o transporte na ambulância pq a prefeitura estava sem dinheiro pra isso. A única solução encontrada foi pedir carona e, assim, entre caminhões, carros e várias estradas, ela chegou em Bauru em 3 dias. Não trazia nada, nem trouxa de roupas, pq nada tinha de seu, apenas os filhos.
    O que me chamou a atenção não foi a extrema pobreza financeira da pequena família, mas a postura dos gêmeos. Eles possuíam apenas um único par de chinelos Havaianas, que dividiam de tempos a tempos. Um chamava o outro e dizia: "olha, agora é a sua vez de usar; toma!".
    Graças a Deus, naquele dia eu tinha ido com o carro lotado de doações conseguidas aqui em Sorocaba e, com as mesmas, foi possível vestir e calçar a família toda. Não preciso nem dizer que chorei ao ver a atitude dos gêmeos, dividindo um chinelinho todo furado, todo gasto, todo roto, mas que, para eles, era a coisa mais importante do mundo naquele momento. Quisera eu ver mais atitudes como estas nas pessoas de maior posse...
    É por isso que a gente não desiste de vez do ser humano. Ainda há esperança, por mais que ela não se apresente de imediato.
    Parabéns pela atitude, mana-amora querida!
    É por essas e por outras coisas que eu amo você de grátis!

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  2. Parabéns pelo projeto e você está no caminho certo, muito provavelmente você ñ irá salvar aquele bairro maldito que fica a escola que você está, mas se salvar UM aluno será algo bom. É um bairro perdido, enorme e perdido com pessoas perdidas, muitas poderiam ser salvas mas quase ninguém se interessa em melhorar nada. Vou lá desde os meus 5 anos de idade e não mudou nada, ou mudou, os traficantes mudaram; uns morreram, outros foram presos e os novos têm carros com sons caros, enfim. Boa sorte em sua empreitada e será um caminho árduo e cuidado para não se apegar à Escola, você pode nunca mais sair de lá!

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  3. Em breve também me tornarei um educador e já acompanhei um pouco desta realidade como estagiário. Apoio totalmente a sua decisão, como bem observou não irá salvar o mundo, mas dar a sua contribuição e assim torná-lo melhor.
    Temos bons projetos em mente, coisas belas no imaginário que podemos concretizar por meio de ações.
    Faço votos que tenha êxito!

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  4. É isso aí minha querida! De pessoas com essa iniciativa é que o Brasil precisa. Muitas vezes as pessoas deixam de ajudar por acharem que apenas um não faz a diferença. Às vezes as pessoas pensam: Eu só tenho um real, não vai ajudar em nada. Engano. Um pouquinho meu, um pouquinho do outro, as esperanças vão se somando. Pode ser que você não consiga recuperar os 20. Mais se você consegue esperança para um ou dois, nossa é tudo. Principalmente quando a pessoa se mostra interessada em ser ajudada.
    Só tenho a te agradecer, e dizer que tenho um grande orgulho em ter uma pessoa de alma nobre como você no meu ciclo de amigos. E dizer com prazer: Gente eu conheço a Ana, aquela coordenadora quer quer fazer a diferença.
    Que Deus te abençoe nessa jornada, e te dê forças pra não desistir de nenhum desses meninos.
    Um beijo grande.

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  5. Pois é querida, quando nós educadores demonstramos interesse na vida destes alunos, seja educacional ou não, despertamos ânimo, esperança e a vontade de mudar.

    Esse interesse e encorajamento deveria partir da família mas, como essa base praticamente não existe ou não possui condições para tal, fazemos este papel e pelo q percebi vc o faz da melhor forma.

    NESTES MOMENTOS QUE AINDA TENHO ORGULHO DE SER EDUCADORA... POR PROFISSIONAIS QUE FAZEM VALER À PENA.

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  6. Amiga, admiro muito sua vontade e disposição para um trabalho que é muito importante para os jovens e para nossa sociedade.

    É uma pena que o número de crianças carentes e abandonadas seja muito grande, mas, com força e boa vontade, não importa o tempo, as coisas podem melhorar.

    É preciso que profissionais como você se dediquem muito, pois, para tirar essas crianças desse elo perdido, vai ser uma luta muito grande, boa parte desses meninos já está dominado pelo mal.

    Fico feliz que você tenha conseguido instruir esse rapaz, e tenho certeza que, com sua dedicação e seu empenho, muitos outros hão de se regenerar.

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